Gato por lebre em serviço de auditoria: fraude?
Gosto sempre de investigar a origem das palavras. Fraude vem do latim fraus, que tem o conceito de uma ação contrária àquilo que é verdadeiro, correto e honesto. Consiste em enganar para obter vantagem financeira, levando o pagador a acreditar que obteria algo pelo qual pagou, mas na prática não recebendo exatamente aquilo pelo qual pagou.
Refletindo sobre o conceito de fraude de forma mais ampla, concluí que este conceito é obviamente aplicável à área de serviços, pois serviços também podem ser objeto de fraude. E o pior, como seus atributos e resultados são menos tangíveis que os da área de produtos, estas fraudes são muito menos perceptíveis, porém não menos prejudiciais. Como trabalhamos nos “bastidores” da qualidade, sabemos de vários casos que se caracterizam como fraudes em serviço, e sabemos também que devido à acirrada concorrência essas fraudes vêm aumentando, justamente por não serem tão evidentes assim, e às vezes por não serem sequer percebidas pelas empresas contratantes.
Como boa filha de Piracicaba que sou, vou contar um “causo”. O cliente é real, mas aqui está descaracterizado para impedir sua identificação.
Uma empresa pediu à Food Design 37 auditorias de qualidade e segurança de alimentos para um total de 37 fornecedores, sendo que cada auditoria deveria ser feita em UM dia. Estranhei, porque pelo tipo de empresa e pelos produtos produzidos, havia fornecedores de produtos de alto, médio e baixo risco. E fazer uma auditoria de um dia geralmente não basta para avaliar de forma adequada um sistema de GARANTIA da qualidade e de segurança de alimentos. Expliquei que enviaríamos uma proposta para classificar os insumos conforme os riscos, propondo fazer auditorias com maior tempo e profundidade para os de maior risco, e com menor tempo para os de baixo risco. Informamos que, dependendo da consistência dos critérios, dos dados prévios de qualificação e de acompanhamento, das reclamações, do histórico das verificações etc, talvez fosse desnecessário auditar os de baixo risco. Prontifiquei-me a visitar a empresa solicitante para explicar pessoalmente a proposta, porque claramente a profissional da qualidade que me ligou era ainda crua no assunto. Ela disse que iria passar a proposta para o seu chefe. Voltei a tocar no assunto várias vezes, sem obter resposta. Depois, soube que haviam selecionado a proposta “mais baratinha”, que previa um dia de auditoria em cada fornecedor.
Passaram-se dois anos e a empresa em questão nos chamou após ter sido alvo de denúncia de presença de corpos estranhos no PROCON. Trabalhando depois nessa empresa, vimos que o problema ia bem além dos corpos estranhos, pois o consumidor geralmente percebe apenas aquilo que pode ser visualizado. Ao nos aprofundarmos no caso, vimos que o processo de produção estava bem controlado, mas ao avaliarmos o procedimento de seleção de fornecedores, vimos que este contemplava um check list de cerca de 300 requisitos, que reconheci ser “à moda da norma IFS (plágio?)”, com uma sistemática de pontuação que não resistia a uma simples simulação de consistência. Pior: cada auditoria havia sido feita em seis horas, sete no máximo. Dividindo os 420 minutos que há em sete horas por 300 requisitos, temos 1,4 minutos por requisito, supondo que o auditor não tenha almoçado, não tenha ido ao toilette e nem feito as reuniões iniciais e finais de praxe. Não precisa ser nenhum grande especialista para perceber que isto só poderia dar no que deu.
Não seria esse um caso de fraude? Analise você mesmo e tire suas conclusões: a empresa contratada para fazer as auditorias se propôs a realizar o trabalho de tal maneira que o seu serviço não entregava o que deveria entregar.
Claro que também poderiamos atribuir a culpa à “profissional-passadora-de proposta-para-o-chefe-analisar”, que não foi capaz de diferenciar uma proposta séria de uma não séria. Mas isto são “outros quinhentos”.
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É assustador vermos que algo tão importante – confirmar se os fornecedores são capazes de atender os requisitos de seus clientes, principalmente os de segurança de alimentos – tem sido tratado como um procedimento burocrático. Auditar tornando-se uma forma de se cumprir um praxe, e não gerar oportunidades reais de melhoria e proteger clientes e consumidores.